Vivemos numa época bem curiosa, não é? Falamos tanto sobre liberdade, sobre fazer nossas próprias escolhas e respeitar as diferenças. Mas, cá entre nós, existe um tipo de decisão que ainda rende olhares tortos e comentários que se disfarçam de “preocupação”: a de construir uma família grandinha.
Num tempo em que ter dois filhos já parece audacioso e três uma loucura, casais que abraçam com alegria a ideia de ter mais filhos são vistos, muitas vezes, como irresponsáveis, antiquados ou até “desinformados” sobre o que seria “qualidade de vida”. Mas o que aconteceu com a gente para que ter filhos virasse um fardo, em vez de uma alegria?
Da Bênção à Planilha de Custos: Como a Eficiência Tomou o Lugar da Vida
Nas últimas décadas, a gente meio que trocou a ideia de que a vida é um presente por uma mentalidade que calcula tudo, como se fosse um negócio. Filhos, que antes eram recebidos como bênçãos, começaram a ser vistos em tabelas de custo-benefício. A criança — que é puro sinal de esperança e de que a vida continua — virou um item a ser planejado, precisando caber certinho no orçamento, na agenda do trabalho e até nos planos de viagem.
Isso não aconteceu por acaso. A nossa cultura moderna, que vive numa busca frenética por controle e prazer imediato, acaba tendo medo de tudo que pede um pouco mais de entrega, de abrir mão de algo e de ter fé. E poucos compromissos são tão desafiadores e transformadores quanto o de receber, criar e educar filhos. Sem perceber, o coração de uma sociedade que foge das dificuldades naturais da vida acaba cultivando uma espécie de vazio, uma “esterilidade” da alma.
O Amor no Casamento é Feito Para Gerar Vida
Ao longo da história, sempre foi claro que o casamento, tanto na sua forma natural quanto sagrada, tem como uma de suas belezas a capacidade de gerar vida. Não é só sobre ter mais bebês, mas sobre participar conscientemente do ato criador de Deus. Ter filhos não é um acidente, mas uma parte essencial do amor entre um casal, um sinal vivo de que confiamos na vida e na eternidade.
Quando a nossa cultura sussurra que o número de filhos deve ser limitado para garantir nosso conforto, mais tempo livre ou até para “manter as aparências”, ela mostra que esqueceu o que realmente dá sentido à nossa existência: a doação. Um filho não é um projeto de consumo; é um convite a ir além de nós mesmos.
Filhos: A Melhor Escola da Vida
A modernidade, que muitas vezes parece mimada em suas exigências de conforto e prazer, foge do que realmente nos ensina. E filhos, ah, filhos ensinam muito! São eles que nos tiram da mesmice da autossuficiência, que nos ensinam a abrir mão, a ter paciência, a ser humildes e a ter uma fé que se vê no dia a dia. Cada filho nos acrescenta, não nos tira nada. Eles nos ensinam a amar sem garantias, a viver sem querer controlar tudo e a reconhecer, todo santo dia, que a vida é muito maior do que todos os nossos planos.
Por isso, famílias grandes são como um recado profético em uma cultura que vive do “descarte”. Elas mostram, sem precisar de palavras, que a vida vale mais do que qualquer planilha financeira, que o amor aguenta madrugadas sem dormir, e que a eternidade começa nas mãozinhas pequenas que se elevam aos céus na inocência de um “Amém”.
A Coragem de Ser Diferente
Casais que, por escolha e discernimento, recebem com generosidade os filhos que Deus lhes confia estão, na verdade, exercendo uma linda rebeldia contra a cultura do medo e da falta. Eles dizem, com a própria vida, que Deus ainda está no controle da história, que o amor é capaz de gerar frutos e que a esperança se renova a cada chorinho de bebê.
Num mundo que teme o “excesso” de vida e que idolatra o controle total, esses lares se tornam pequenos refúgios de humanidade. Neles, ainda se celebra a simplicidade de um lanche dividido, de uma oração em família antes de dormir e do milagre diário de existir.
Para Refletir
Criticar famílias grandes é, no fundo, um reflexo do vazio de uma sociedade que perdeu o sentido do que é eterno. Resgatar a importância de ter uma família numerosa é devolver à nossa cultura a consciência de que a vida é um presente, que filhos são bênçãos, e que a história da humanidade sempre caminhou nos passos vacilantes de crianças aprendendo a andar.
Que Deus abençoe aqueles que, desafiando modismos e estatísticas, continuam ouvindo o chamado e acolhendo cada vida como um hino de esperança.
Queli Rodrigues
Terapeuta Familiar e de casais.