Nos retratos clássicos da literatura, a mulher solitária era símbolo de tragédia. Ofélia afogou-se nas águas, Emma Bovary envenenou-se, Anna Kariênina lançou-se aos trilhos. Essas personagens encarnavam a dor de uma existência isolada, marcada por vínculos rompidos e amores impossíveis.
Hoje, após décadas de propaganda feminista, a mulher solitária é apresentada como um triunfo. Não mais vítima da melancolia romântica, mas senhora de si mesma, convencida de que a independência absoluta é sinônimo de liberdade.
Mas o silêncio das paredes não mente.
O feminismo prometeu libertação da necessidade do outro. Submeter-se aos imperativos do casamento passou a ser visto como opressão. A maternidade, um fardo. A interdependência entre homens e mulheres, uma fraqueza. Mas o que essa promessa realmente produziu?
Mulheres que pagam suas próprias contas — e voltam para apartamentos vazios.
Mulheres que comemoram a independência — e passam madrugadas deslizando em aplicativos, em busca de uma conexão real.
Mulheres que repetiram por anos o mantra do “eu me basto” — até perceberem que foram enganadas.
Enganadas por uma narrativa que mascara a solidão como liberdade. E que, no fundo, beneficia apenas nichos de mercado. A mulher dita “livre” é a consumidora perfeita: precisa de restaurantes porque janta sozinha, precisa de antidepressivos porque não tem uma rede de apoio, precisa de viagens para fugir de uma rotina que pesa — e que prometia leveza.
No fim das contas, a solidão feminina não foi erradicada. Foi só transformada em um modelo de negócios lucrativo.
A ironia? O feminismo prometeu libertação… e entregou isolamento. E ainda convenceu as mulheres a chamarem isso de conquista.
Nos bastidores da clínica, vejo de perto o que essa liberdade tem custado: mulheres exaustas e solitárias — inclusive aquelas que estão em relacionamentos. Mulheres que tentam dar conta de tudo: carreira, filhos, casa, corpo, casamento… como se fossem multifuncionais por vocação e não por imposição.
Empreendem toda sua energia vital para acumular funções que, por razões fisiológicas, históricas e sociais, exigiriam outra lógica: não a da igualdade forçada, mas a da equidade inteligente, onde se reconhece que homens e mulheres são diferentes — e justamente por isso, complementares.
O discurso da igualdade, quando desconectado da realidade concreta, se torna cruel. Porque não entrega justiça, entrega sobrecarga.
Mas seria injusto atribuir todo o peso dessa distorção apenas ao feminismo. Penso, com frequência, no espaço fértil que ele encontrou para se enraizar: a falha do homem em cumprir, com firmeza e generosidade, o compromisso do casamento. A mulher não se tornou o que é sozinha — ela teve, infelizmente, a colaboração de homens omissos, imaturos, muitas vezes autoritários ou ausentes.
E agora, o que vejo?
Mulheres à caça de um modelo de vida que não gerou frutos duradouros.
Mulheres adoecidas por um ideal que prometia empoderamento e entregou esgotamento.
Mulheres que repetem o #eumebasto — sem notar o egocentrismo por trás da frase.
A verdade é que é na relação que muitas vezes adoecemos, sim — mas é também nela que nos curamos. Porque o outro nos revela, nos desafia, nos educa no amor. A independência da mulher não precisa significar isolamento. Mas sua forma de se posicionar no mundo revela, quase sempre, sua maturidade ou imaturidade relacional.
Carlos Drummond de Andrade disse: “Amar é privilégio de maduros.”
Será que temos alcançado essa maturidade emocional e relacional para decidir com consciência se seguimos sozinhos ou acompanhados? Ou estamos apenas repetindo modelos prontos, vendidos como “modernos”?
A reflexão vale também para os homens. Nunca se viu uma geração tão frágil emocionalmente.
Logo, não se trata de um problema unilateral. Vivemos uma época marcada por uma frouxidão de papel masculino e uma rigidez de papel feminino — quando o saudável seria justamente o contrário: firmeza masculina e flexibilidade amorosa feminina, ambas guiadas pelo serviço mútuo, pelo compromisso e pela confiança.
A família, quando bem ordenada, continua sendo o maior espaço de cura, de amadurecimento e de santificação.
O casamento, longe de ser prisão, é escola.
E a verdadeira liberdade não está em bastar-se, mas em escolher — com maturidade — a entrega que edifica.
Com amor
Queli