Vivemos em uma era de crise conjugal. Basta sonhar com um grande amor para que alguém, marcado por ressentimentos, fale sobre traições, frustrações e divórcios. Os contras são tantos que nos fazem questionar: ainda vale a pena construir uma relação hoje em dia?
Alguns tentam “resolver” essa questão com a abertura do casamento; outros, com representações caricatas do que significa ser homem ou mulher. Mas será que não há algo mais profundo?
Sim, a “Felicidade Conjugal”, de Tolstói, é um retrato perfeito de um casamento que nasce de interesses genuínos e do desejo de crescimento mútuo. Na novela, o amor entre Sierguiêi e Maria surge a partir de obstáculos. Ele, muito mais velho e cosmopolita, receava não oferecer as aventuras que as jovens sonham. Ela, ingênua e provinciana, sentia-se incapaz de corresponder às exigências intelectuais de um homem tão nobre. O simbolismo é evidente: o amor floresce quando há desafios que nos impulsionam a melhorar.
Maria aprimorou sua inteligência por meio da leitura e cultivou sua sensibilidade ao piano, buscando se igualar intelectualmente a Sierguiêi. Ele, por sua vez, encontrou na simplicidade de Maria uma oportunidade de se reconectar com o essencial. O amor complementa nossas lacunas com as virtudes do outro. Mas, em nossa época, como uma mulher verá o homem como complemento, se é ensinada a enxergá-lo como opressor? E como o homem sacrificará sua vida pela esposa, se é levado a crer que o divórcio, em que ele perde tudo, é a regra da vida conjugal?
Ainda somos capazes de pensar diferente, escolher bem nosso cônjuge e nos reinventar, mesmo após experiências traumáticas.
Na novela, os protagonistas desfrutam da felicidade por dois anos, até que Maria começa a sentir tédio — um sentimento comum a muitas mulheres, marcado pelo anseio por emoções intensas. No entanto, é necessário valorizar a estabilidade do casamento, em vez de lamentar a ausência de paixões efervescentes. O sentido da vida não está em férias nas Bahamas, mas no cotidiano amoroso — na profundidade das coisas simples.
Não precisamos de momentos “instagramáveis” para viver o amor. Negligenciamos o simbolismo das pequenas coisas e esquecemos a grandeza de superar desafios cotidianos. Muitas vezes, essa busca por emoções intensas reflete um vazio interior, e não uma necessidade genuína. Maria, nesse ponto, carecia de autoconhecimento.
Por outro lado, o erro de Sierguiêi foi esquecer que, sendo menos emocional, deveria guiar as emoções de Maria pela razão durante as crises. Ele deveria tê-la relembrado do quão felizes eram ao valorizar o cotidiano. Mas, em vez disso, cedeu às exigências dela, mudando-se para a cidade com ilusões. No início, a relação melhorou — nos jantares e festas. Mas, quando estavam a sós, já não se suportavam.
A história nos ensina que o problema do casal moderno não é a essência das relações humanas, mas o afastamento dela. Assim como Fulton Sheen nos lembra que o casamento não é sustentado apenas por duas pessoas, mas por três — Deus sendo a base que dá sentido à relação, Tolstói evidencia que o foco em coisas externas, como viagens e luxos, desvia a atenção do que realmente importa: o outro.
Amar não é fugir para o extraordinário, mas encontrar plenitude no ordinário. O homem, pela sua natureza, dá estabilidade e racionalidade à mulher, enquanto ela lhe oferece conforto e doçura. Quando há entrega mútua, um casamento é como uma luz em meio à escuridão. Gustavo Corção nos ajuda a perceber que o amor verdadeiro não se reduz ao desejo ou ao prazer momentâneo; ele exige esforço e aceitação das sombras que habitam em nós e no outro.
Se escolhermos o parceiro pelo caráter, e não por finanças ou paixões passageiras, o casamento valerá a pena, mesmo em tempos de crise. Caso contrário, continuaremos a ver choro e ranger de dentes.